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Victória é incansável na busca por conhecimento

Victória é incansável na busca por conhecimento

Mulher da periferia, negra e LGBT, Victória Carolina Pedro Faria conhece muito bem o significado da palavra preconceito, mas também sabe o sentido das palavras diversidade e acolhimento.

 Com 24 anos de idade, Victória estuda Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) e trabalha como programadora em uma multinacional, a Capgemini do Brasil, onde desenvolve soluções de tecnologia.

 Moradora do Jardim São Luiz, diferentemente da realidade de muitos jovens do bairro, Victória pôde contar com uma rede de apoio familiar. Seu pai trabalha como técnico em eletrônica de carros e a mãe é agente de saúde no programa Saúde da Família, fazendo a ponte entre a população e o serviço público.

 No ambiente familiar, estudar sempre foi um caminho natural para ela e seus dois irmãos. O mais velho, Gilberto, fez duas faculdades, concluiu um mestrado e agora faz doutorado na Unicamp. O mais novo, Gabriel, iniciou a faculdade de Física na Universidade de São Carlos, trancou em razão da pandemia de Covid-19 e está em processo de decisão sobre dar continuidade ao curso ou iniciar outra faculdade.

 Mesmo com o apoio da família, Victória diz que encontrar seu caminho não foi uma trajetória simples e, muito menos, está concluída. Quando chegou na Fundação Julita, ela era uma adolescente de 15 anos e não tinha clareza sobre o que fazer. Queria apenas arrumar um emprego.

 Uma amiga tinha acabado de concluir uma qualificação profissionalizante na Julita e logo depois conseguiu o primeiro emprego. Victória conta que pensou: “Isso dá certo mesmo.” mulher negra lgbtqia+ usa turbante

 Foi procurar a Fundação e ingressou no curso de confeitaria. Não porque fosse apaixonada por culinária, mas por não saber o que fazer.  “Era meio ‘natural’ que as meninas fossem para o curso de confeitaria e os meninos para eletrônica. Não que houvesse algum estímulo para isso.” Ela, então, escolheu o primeiro sem refletir.

 O bom do curso, segundo Victória, é que ensinavam muito mais que cozinhar. “No nosso TCC simulamos a operação de uma empresa, com todos os departamentos principais: financeiro, administrativo, marketing e líderes da cozinha”, diz. Victória ficou na área administrativa.

 Na prova final, o objetivo era fazer a empresa dar lucro em um evento organizado pela Julita. Sua equipe criou a “Salgados da Avó” e montou uma estrutura para a venda dos produtos em um Encontro Cultural, que reuniu na Julita vários microempreendedores da região, com seus food trucks, artesanatos, shows e apresentação de dança.

 A empresa deu lucro, mas menos do que esperavam. “Choveu no dia e tivemos que improvisar porque a estrutura montada na área externa não pôde ser usada”, diz, lembrando que aprenderam muito com o que deu errado.

 Foi neste curso também que Victória aprendeu e vivenciou o significado das palavras diversidade e acolhimento. “É tudo tão negado, você não pode ser isso ou aquilo. Na Julita eu percebi que estava tudo bem, eu podia ser quem eu era de fato.”

 O processo de aceitação começou com o cabelo. Quando chegou na Julita tinha acabado de usar uma química para deixar os cabelos cacheados, porque achava que cachos eram mais bem aceitos pela sociedade que seus cabelos crespos. O procedimento deu errado e os fios ficaram totalmente alisados.

 Depois de um tempo no curso, ela decidiu raspar a cabeça para tirar toda a química. “Fiquei apreensiva, eu não sabia o que meus educadores e colegas iriam falar, mas quando cheguei lá fui super-bem recebida, disseram que eu estava linda.”

 Este acolhimento e as discussões sobre questões sociais, econômicas, raciais e de gênero instigaram a curiosidade de Victória e ela começou a ler e pesquisar sobre vários assuntos.

 jovem negra LGBT“Eu queria entender mais profundamente as estruturas sociais, econômicas e culturais e passei a ler sobre tudo, desde a origem das sociedades”, conta.

E foi em busca de respostas que pudessem ampliar seu conhecimento que ela decidiu fazer a faculdade de Ciências Sociais. Mas isso aconteceu mais tarde, em 2018.

 Ao concluir o curso de confeitaria, em 2014, a Julita selecionou 12 alunos para participarem do processo seletivo da Honda, empresa parceira da Fundação que oferece vagas pelo Programa Jovem Aprendiz. Victória estava entre eles e foi aprovada. Ficou na Honda pelos dois anos de contrato e saiu em janeiro de 2016.

 Desempregada, chegou a pensar em seguir a carreira de dançarina. Durante o segundo grau ela estudou dança contemporânea e danças urbanas. Fazia parte de dois grupos e em um deles viajava para participar de competições, mas para continuar precisava de dinheiro. “Eu tinha que trabalhar”, afirma. Foi, então, buscar novo curso na Julita, desta vez de corte e costura.

 Retomado o contato surgiu nova oportunidade. Em junho de 2016, foi aberta uma vaga de assistente de logística na Fundação Julita e Victória foi contratada. Ficou lá até 2021, quando saiu para estudar programação. Participou de um processo seletivo e foi aprovada para uma bolsa de três meses da Generation Brasil, organização sem fins lucrativos que tem como propósito a educação para o trabalho. 

 Apresentou um projeto social para a construção de uma solução educacional. A ideia era conectar pessoas em situação de vulnerabilidade, que querem entrar em universidades públicas, com cursinhos e pessoas que ensinem o caminho.

 Durante o curso o projeto mudou um pouco. Victória e seus colegas construíram uma solução Web, em Java, para conectar pessoas que querem ingressar na área de tecnologia com instituições que forneçam cursos gratuitos.

 Após o curso, Victória foi contratada para trabalhar como programadora em uma multinacional, a Capgemini do Brasil, empresa que desenvolve soluções de tecnologias para outras companhias.

 Há cinco meses no novo trabalho e faltando pouco mais de um ano para se tornar bacharel em Ciências Sociais, Victória agora busca um caminho que una estas duas habilidades. 

 

Texto: Teresa Navarro é jornalista e voluntária na Fundação Julita

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